quinta-feira, 25 de junho de 2009

A egoísta

Ás vezes não me aturo, às vezes não me aguento, tem dias que não me consigo olhar no espelho.

Deus! A mim nada? nada?...Eu que tantas vezes, seja por dor ou desespero, tanto de ti solicito sempre esperando tão pouco.

Não seria eu, que de ti já nada espero, aquela que de ti tanto esperou durante tanto tempo?

E espero, espero, com os olhos no sereno bater de asa do povo desatento, no arrastar de chinelo da mulher do merceeiro, no cheiro intenso dos morangos amadurecendo, apodrecendo, na caixa de madeira frente à curva da estrada, estranha torta onde o homem com o palito na boca se recorta.

Rio para dentro, ninguém sabe, sabes Tu e eu e o vento, que me rio de Ti, Contigo e dos outros, com eles e outras vezes muito a sós comigo mesmo.

E depois, depois dos meus risos torturas-me cruelmente, sem prazeres penso, sei lá talvez até em descontentamento, mas torturas-me da pior maneira e no pior tempo.

Não me aturo, não me suporto, neste desgastado, aborrecido evento que é a vida lenta, lenta, morrendo como um peixe com uma única guelra dentro de agua estagnada.

Ai de mim Deus meu! Ai de mim que me afogo, eu que de ti pedi tão pouco, afinal quero apenas...quero tudo, quero a todos!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Excerto III

E cá fica mais um bocadinho do conto....

- Como te chamas rapaz?
- Miguel.
- Eu sou O Zé Pescador.
- Então conta-me lá Zé Pescador, como propões tu trazer-me o meu amor?
- Não te vou trazê-lo eu, mas quem tu roubou.
Os olhos de Miguel ficaram tristes, afinal era mentira, o Zé Pescador era um artista.
-É esse o teu plano genial? Desculpa mas isso não vai resultar, o homem odeia-me, mais depressa me manda matar – Respondeu Miguel chutando a calçada em branco, como mais uma lágrima assomando no canto.
- Manda-te matar a ti, pobre moço da favela da colina verde, mas não se fores um homem como os dele.
- Mas isso não sou nunca serei, sou o Miguel da Maria, da colina verde, sempre fui, sempre serei.
O Zé Pescador olhou em frente, não ia ser fácil convencer aquele, era um homem decente. Mas ele não queria viver mais, e para poder partir tinha que ajudar aquele pobre rapaz, não podia voltar atrás. Por isso deu os pulmões à maresia para que lhe lavassem o catarro do dia e empunhando o cachimbo apagado, calou-se caminhando ao lado daquele moço doce. Entregou-se ao pensamento um bocado, tinha de arranjar um plano bem esgalhado, não queria o pobre rapaz enervado, nem pisar-lhe a consciência demasiado cedo, tinha que ser tudo feito com jeito, para que ele não tivesse medo.
Porque, se quando o momento chegasse o rapaz vacilasse ficaria ele de novo cá para sempre, em frente à baia luminosa e decadente, até que outro jovem de coração puro, cego pela luz branca que dela reflectia se deixasse levar pela sua alma doentia.

Agora volto ao Direito Administrativo...:(

sexta-feira, 5 de junho de 2009

David Cook - Come Back To Me

Momento musical. muito bom

Excerto II

Lembram-se daquele excerto de um conto que aqui postei há pouco tempo?
Prometi na altura que colocava mais uns bocadinhos, pois aqui está.
Isto não está por ordem, vou tirando bocadinhos como calha. Espero que gostem.

"As mãos velhas enrugadas poisaram no ombro betonado do rapaz.
- Calma amigo sou da paz.
Os olhos castanhos cintilantes do moço musculado encontraram os olhos gastos do velho que tinha um sorriso engraçado.
- Que me queres tu, homem de Deus, não vez que não estou para conversas.
- Vejo sim jovem amigo, tens a vida de candeia às avessas.
A brisa húmida do mar enrolava canudos novos no cabelo espesso do jovem, dando-lhe o aspecto de leão com juba farta.
- Foi o amor que te bateu bem sei, com a forca de uma chibata.
O jovem mordia o lábio escuro, com os dentes pérola cintilando contra o fundo.
- Foi um carro negro e esguio um só dia, que me levou a luz, a lua, o guia.
Olhava a calcada perfeita que se estendia longa, como ela infinito a dentro.
O velho respirava pesado, tentando manter o ritmo dele, acelerado pelo o horário do comboio que não espera por ninguém.
- Mas devagar meu jovem, assim não te consigo acompanhar.
- E porque me queres acompanhar homem de Deus, deixa-me estar.
- Porque sei o que sofres, quero-te ajudar.
-Então conta-me o quanto sofro, porque sofro tanto que nem eu próprio sei o quanto sofro.
Duas lágrimas tão salgadas como o mar que se espreguiçava contra a areia branca da baia rolaram pela cara quadrada, deixando um rasto brilhante na pele baça pelo pó da argamassa.
- Sofres muito sim eu sei, dessa dor também eu padeci, conheço-a de cor porque a vivi.
- E porque achas tu que me podes ajudar? Não me digas tu também que há-de passar.
- Não te digo e desde já te salvo desses desenganos, essa dor não sara com o passar dos anos. Digo-te eu que durante todos os anos que já vivi, a continuo carregando."