quinta-feira, 27 de maio de 2010

Amor by José Maria CC

Num gesto, fausto
grito, teu perfil agudo
angular, aflito
corta ar, fende universo
invade o calor do verão.

Nuca esguia, longo colo
em espádua larga

estremece e assenta
e o mundo inteiro sustenta

Desse sustenido grito
amor, subtil, se ausenta
O ar é gélido, o mar
envolve teu olhar
de verde, fluido espaço

Nunca perfil de garça
tão gracilmente passou
pisou o solo

A ameaça é sempre
que, em voo inesperado
no azul desapareças

Aqui ficarão apenas cinzas
mãos vazias de asas
aqui olhos e marés
rasos de água, sem destino

Teu voo será, no entanto
meu hino
voa portanto ...

terça-feira, 18 de maio de 2010

terça-feira, 4 de maio de 2010

Amor by Joaninha CC

Por baixo do balcão, a cobro da escuridão de uma noite sem lua, canta-lhe em segredo.

- Óh vil sentimento que me consome!

- Amor meu, quisera respirar sem ti e sufocava em desespero, em agonia lenta, morte que nem no inferno ardente pior seria!

Na varanda o vulto se move, em movimento gracioso e suave quase como brisa em noite de estio seca.

- Óh alma cruel que não me corresponde!

- Amor meu, quisera eu libertar-me deste tormento, mas quão infeliz seria sem a dor que me fustiga a alma dia a dia! Viver sem ti, nunca! Ainda que me não querias, amor meu, sou teu para toda a vida.

Ela encosta a cintura aos negros balaústres em pedra e escuta.

-Olha que definho!

- Olha como definho! Sim, tal é força da tua recusa, que em cada gesto que não fazes na minha direcção, me morro um pouco, amor do meu coração!

Liberta o cabelo num gesto tranquilo, eles rebolam ombros a baixo, numa cascata negra que se aproxima perigosamente do pecado...ou do divino.

- Ai que já me foge a voz, sem que te dignes a libertar a tua!

- Mas antes saber que me ouves, mesmo que muda, do que existir perpetuo silêncio entre nós! Olha, olha para mim! Minha alma está nua!

Pega num cigarro distraída, dando uma primeira baforada com um pequeno sorriso de prazer intenso.

Ele toca acordes desvairados na guitarra.

- Mata-me! Mata-me, mas não me deixes entregue a esta sorte de não saber, saber só o que sinto, que é só um tão grande bem querer que já nem cabe no meu coração!

Ela se queda em silêncio, apagando o cigarro...

Em gesto lento, lento, lento, despe o vestido que fica no chão defunto, e desaparece por entre as portadas de vidro.

-Ai que fulminaram o coração, vi a luz divina! Grita ele - Morro feliz, morro tão feliz!

- Abrem-se-me as portas do inferno frente aos olhos e eu já não me importo, venha, venham as chamas perpetuas do fim do fundo do mundo, doravante já nada me dói, de hoje em diante, até o mais ardente fogo é sagrado!

Por detrás das portadas ela espreita, ansiosa!

- Porque demoras tu tanto, está frio aqui sem ti, entra, está sempre frio onde não estás!

Riem-se os dois muito.