Sentada na poltrona da sala ela tinha os olhos ainda presos no vazio.
Não é meu costume fazer visitas ao domicilio, mas ela é especial, por ela abro esse tipo de excepções.
Ela não estava lá, teria de a ir buscar.
Coloquei a cadeira de madeira mesmo à sua frente, teria de olhar para mim, para que pudesse ir busca-la aonde ela estivesse.
Mas os olhos continuavam presos no vazio. Pobre alma, completamente perdida, completamente só e desesperada.
Os pais olhavam-me curiosos.
Segurei-lhe a mão levemente.
-Vamos, volta.
Necessitava apenas de uma pequena centelha de conhecimento para poder trabalhar, porque assim no vazio, completamente no escuro não conseguiria fazer nada.
As folhas das arvores faziam um frufru, como os saiotes das velhas senhoras de outro tempo e ela parecia balançar ao som dessa musiquinha natural. Para a frente e para trás, suavemente.
Segurei-lhe a outra mão e comecei a abanar-me com ela, entrei devagar no seu ritmo, com a esperança de entrar devagar na sua alma, sem a assustar.
A noite foi caindo morna, enquanto dançávamos frente a frente.
Acariciando-lhe as mãos frias, mantendo o contacto humano, queria traze-la de volta mas para isso teria de lhe mostrar que o tempo não tinha parado, que ela não tinha vivido milhares de futuros, antes tinha milhares de futuros para viver. Para a trazer de volta ela teria de querer voltar.
-Eu sei que estás bem aí, mas volta.
Continuei dançando.
Foram horas de dança, até os seus olhos encontrarem os meus, primeiro vazios, depois tentando ver.
A mão apertou suavemente a minha.
-Aqui está a minha menina.
Não era nada encorajador o estado de saúde geral, fraca, um pouco desidratada, completamente fechada num mar imenso e profundo de dor.
Ela era assim, o tamanho e profundidade dos seus sentimentos era exacerbado, não aprenderia nunca a controlar esse monstro que a comia por dentro.
Aquele segundo de contacto deu-me esperança. Estava perdida mas queria voltar.
Não tinha prazer nenhum em voltar a interna-la na ala psiquiátrica, mas seria necessário faze-lo.
Com calma, encaminhei aquele espectro até à ambulância. A mãe chorava, o Pai rangia os dentes numa luta interna monumental para controlar o choro, a angustia.
Pobres, pobres criaturas indefesas perante a monstruosidade da doença da filha.
Às vezes basta um toque, um sussurro, um farpa tão pequena que toca como uma pluma e eles desaparecem no meio de uma tempestade violenta.
Deitada na maca os olhos dela voltaram a desaparecer na bruma.
O hospital frio, sem graça sem vida, com doentes cambaleantes e mentes insanas há muito sem regresso.
Passava os seus dias fitando as copas das arvores, dançando ao som do frufru das folhas, todos os dias eu dançava com ela, ela não me olhava nos olhos, mas dava-me um centelha de esperança quando me apertava levemente a mão.
E cá está, o esboço do inicio do ultimo capitulo do meu "livro".
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
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13 comentários:
Hum... parece-me bem, mas não queres fazer um percurso de aprendizagem enquanto vais alimentando este projecto? Partir para os cornos do boi sem primeiro ter treinado umas sevilhanas em vazio... pode ser corajoso, mas não muito recomendável.
Quanto ao texto voltarei a ele mais tarde.
Joaninha
Está lindo. Tem frases que batem forte, mas toda a descrição da situação em si está excelente.
António,
Por alguma razão lhe chamo "livro" e não livro.
Porque é um projecto com 10 anos e que não é propriamente uma coisa para publicar.
O processo de aprendizagem está bem e recomenda-se, se é que me faço entender. Mas infelizmente o dia só tem 24 horas coisas que é muito incomoda, não me dá tempo para mais ;)
Isto é mesmo para ler em silêncio.
E depois de ler, me parto da mesma forma.
Bom fim de semana
José Gonçalves
Não há melhor processo de aprendizagem que fazer precisamente aquilo que se pretende aprender (excepto talvez no pára-quedismo e na desminagem).
Vai em frente Joaninha, está o máximo!
Gostei imenso...
Menina, trabalha também à noite e acrescentas mais umas horas ao teu dia...
Joaninha
Acho sinceramente que se trabalhares este texto ao ponto de esticares o número de horas do dia... corres o sério risco de ficar com o rabo gordo!
E de o teu anjo voar. Não convém!
Pois pá, caga mas é no livro e deixa estar o rabo como está que está muito bem assim :-)
Que bom que vais publicar um livro. Gosto que li. E sei que terás sucesso, com toda a certeza!
Todos os dias são dias de conquista e de luta, Joaninha, na escrita e no resto!
PALAVROSSAVRVS REX
“O fim do ciclo (último capítulo)”...
e ficaste por aqui? Já lá vão 5 dias sem um novo post, será o fim do ciclo?
Vá lá, toca a animar a malta...
Jp my friend,
Não não é fim de ciclo nenhum a não seer fim do Pseudo Livro. Mas ando sem grande inspiração e com algum trabalho que me anda a chagar o juizo. Mas a ver se hoje quebro o jejum do blog.
Claro que podes, Joaninha, mas acho que vou linkar-te primeiro que tu a moi, ehehehe.
Beijo Grande!
PALAVROSSAVRVS REX
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