quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O homem chora!

A primeira gota caiu-lhe sobre a face, escorreu pela têmpora e, delineando-lhe o contorno do maxilar, foi parar junto ao queixo numa quietude ameaçada pela cruel gravidade.

Outras mais foram caindo surfando-lhe o rosto, umas encarreiraram na direcção da boca, semiaberta, semi fechada, de dentes cerrados, outras aterrando em cheio na testa fugiam para os lados, contornando as orelhas e abrindo pelo pescoço um rio que na base formava um pequeno lago, outras ainda, suspensas no vazio da ponta do nariz, maldiziam o seu fado!

Assim podia chorar sem na realidade ter chorado. Assim ninguém lhe via, no meio do rio doce, o mar salgado.

Sal que lhe salitra a alma, lhe esboroa os ossos, lhe destrói o juízo tão amado! Contido no estrito espaço que lhe é permitido! Àh! Um homem não chora!

A ultima gota essa partiu-lhe do canto do olho, funestamente fugida do canal reprimido do seu choro, correu lesta ao longo do nariz e, alagando-lhe salgadamente os lábios, infiltrou-se entre os dentes cerrados, marcando-lhe na língua, a sal, a saudade imensa daquele nome já passado.

Já não sabia se conseguia mais chorar sem na realidade ter chorado. Era urgente chorar o passado, chora-lo todo, o mal amado, o feliz, o desgraçado!

A chuva já não cai, mas a face continua acoitada por gotas escorregadias que surfam os contornos do seu rosto desgastado. Chorar, chorando, para com ele lavar o passado que, no meio da chuva foi passando.

Áh! o homem chora, o homem está chorando!

13 comentários:

Quint disse...

Anda Vossa Excelência Reverendísisma mui dedicada às cousas das letras, com garbo e mérito assaz visível.

Parece propositada esta inusitada associação entre vossa prosa de hoje e minha insignficante abirritância; contudo, lida esta última primeiro, fácilmente aqui se chegaria chorando.

Espero contudo, Senhora Minha, que Vosso desvelo pela cousa das Letras não ande atrapalhando Vosso interesse pela igualmente emérita e exigente ciência dos livros, títulos, capítulos, secções, subsecções, artigos e afins da profusa e abundante codificação que por este rincão luso vamos tendo.

E agora, se te aprouver, manda-me aquele sítio que eu já me rebolo de riso com tanto latim de fraca qualidade aqui vertido.

É sempre um prazer receber a visita de minha ilustre amiga, um criado ao Vosso dispor.

Joaninha disse...

Ferreira, este será sem duvida dos melhores comentários alguma vez escrito em todos os blogues do mundo! É, sem qualquer duvida genial!

Qto aquilo dos livro e mai não se k, prontos, tás a ver, a malta n é k a malta n tenha interesse pá é k a coisa só agora é que começou :)

beijos caríssimo :)

Quint disse...

Na volta do correio, e isto porque não se recorre aos CTT senão nem amanhã cá estaria ...

Senhora Dona Joaninha, ilustre, veneranda e sapiente quase doutora,

Nem sabeis a comoção que me causasteis por assim assumirdes que com minhas singelas palavras, vertidas em jeito simplório, já hoje vos arranquei um número que não haveis quantificado de risos.

É bem verdade que minha alma andava mortificada com aquela velhacaria que lá na Velha Albion nos fizeram; aquilo só pode ser obra dalgum despeitado, certamente energúmeno bebedor de cerveja quente em "pints" num qualquer "pub" esconsso mas, mesmo assim, em lendo aquilo e vendo nossos tão gabarolados pergaminhos marialvas assim amarfanhados era como se a cada número, cada linha me pregassem mais um prego no caixão!

E eis quando senão me surgeis Vós, vinda assim como que do nada, com aquela lapidar sentença devolver-me a esperança.

Estais bem entregue aos honrosos pergaminhos e lombadas dum Manuel de Andrade, dum Ferrer Correia e mais outros sonoros doutores da sapiência jurídica, porquanto numa simples frase lavrasteis, Senhora Dona Joaninha, exemplar jurisprduência recolocando novamente justiça.
E levantando alto, salvo seja, o lusitano orgulho!

Não sei se será de Vosso agrado, mas ouso mesmo pensar que com tão sapiente contributo sois digna duma assumida e mui portuguesa cunha para uma comenda no próximo 10 de Junho

Um Vosso criado,


Nos restantes, ó dama, a malta até já topou bem a cena. O prubrema é que a malta estás meia kota, pá, e já num tens cabeça cum os parafuso todos nu sítio. Tás a ver?

Anónimo disse...

Uma poeta genial :-) Bj

antonio ganhão disse...

Choramos porque as nossas lágrimas soçobram à gravidade... as nossas emoções vergam-se às leis da física!

alf disse...

o Gedeão não diria melhor. Poema onde se entrelaçam Conhecimento, Razão e Coração. Só ao alcance de uma mulher que conquistou o mundo que era dos homens e juntou o melhor dos dois.

O importante: gostei muito!

Krippmeister disse...

Isto já é dificil de comentar quando se chega primeiro, mas assim é impossível. Estás cada vez melhor Joaninha. Adorei.

Beijo

Ninja! disse...

Escreves muito bem, gosto sempre de lêr. :) Sincero e honesto.

Blondewithaphd disse...

Não sei se o que vou dizer se diz, se se pode dizer até: o que é que há num homem que chora que nos fragiliza tanto? Que nos sensibiliza tanto?

Joaninha disse...

Blonde,

Ora, a fragilidade deles...E o nosso instinto maternal. Somos no fim de contas muito primarias nas nossas emoções mais profundas...

beijos

Joaninha disse...

Rui,

Muito obrigada :)

António,

E tu meu caro, choras?


beijos aos dois

Joaninha disse...

Ninja,

obrigada, beijos para ti e para a Dra Saltinho.

Krippahl,

São os teus olhos meus amigo

beijos

Krippmeister disse...

"Ora, a fragilidade deles...E o nosso instinto maternal. Somos no fim de contas muito primarias nas nossas emoções mais profundas..."

Pois isso já não sei Joaninha. Se assim fosse eu estaria sempre em grande com este meu ar de nenuco gigante, mas não.