A crina cai-me sobre os olhos, misturada com o suor branco do pescoço. O meu arfar é pesado, os meus flancos estão doridos e marcados.
Ele está sentado, atirado contra as tábuas brancas do cercado, parece vencido, apagado.
Haverá em mim arrependimento?
Aproximo-me cautelosa, escorrendo ainda da minha boca espuma rosa.
A mão treme ainda na chibata, os olhos abrem em dor de espasmo.
Não, não te levantes, não tentes mais! Não, vou-te ferir mais e não quero, não te levantes.
Agarra-se às tábuas em um gesto corajoso, o cavaleiro tem garra. Limpa o sangue do lábio, olha-me nos olhos negros.
Leva a mão ao meu pescoço. Mas desta vez não lhe fujo, há um entendimento, uma trégua por um breve momento.
Sinto-lhe o calor da mão ferida pelo cabedal do chicote.
Ele abre a cancela e deixa-me sair.
Caminho em alta até as ripas brancas, mas não me sinto capaz.
Ele sorri distraído pela sua dor, sorri comigo.
Volto para trás, quase que vencida.
-A cancela esta aberta minha amiga.
Encosto-lhe a pesada cabeça no ombro, era só o que queria.
segunda-feira, 31 de março de 2008
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11 comentários:
Agora que se pode pirar não vai? Complicadinho... É pior que as gajas :-)
Herr K
Para que é que se há-de ir embora se já não quer ir? Já foi conquistada, que é a maior liberdade e a maior prisão.
Todo o animal é paradoxal nos seus hábitos e escolhas. Se os prisioneiros de Auschwitz se rebelassem ao mesmo tempo não haveria problemas em levarem a melhor. Desumanizados, infrahumanizados, depersonalizaram-se e habituaram-se ao jugo, quantas vezes apressando a morte que era bem melhor que aquele quotidiano.
PALAVROSSAVRVS REX
O mundo no feminino é assim, cancela aberta é um convite à entrega.
António,
acho que não é só o mundo feminino, o masculino também...Ou não?
Somos seguramente mais conservadores...
A cancela aberta não é convite para coisa nenhuma: é liberdade de ficar ou de ir embora. Mesmo! Não há lirismos aqui!
Se se sai pela cancela a perda é a mesma. E dói da mesma maneira (ou mais ainda porque se deixou fugir).
Ora ai está abobrinha, não há realmente lirismo nenhum, é liberdade de escolha. Ficas ou vais, ninguem te impede, ninguem te tolhe os movimentos, ninguem te aprisiona a vontade :)
Joaninha
Ninguém impede a saída? E tu achas isso normal? Impedir não é pedir "não vás"? Não é olhar como quem grita "não vás"? Mesmo não dizendo, mesmo nem sequer cruzando olhares?
Até que ponto é liberdade e até que ponto é indiferença? Mas a dor da perda continua lá (se não é indiferença, isto é), o sentimento também, por isso essa liberdade de movimentos é mais ilusória que real!
A cancela continua aberta, mas ao sair vai haver pregos a ferir a pele, porque a cancela não quer ser transposta. O prego não foi posto ali: simplesmente existe, sempre lá esteve e vai fazer sangue e dor nos dois lados.
E no fim o que fica? Um vazio dos dois lados! Não se pode nunca na prática prender ninguém, mas não me tentes convencer que há heroismo em tentar dar toda a liberdade. Porque isso não existe. E quando existe pode ser mau.
Há quem prenda com uma laço de seda. Está lá só para dizer que não quer que se vá. Só para dizer que quer prender... mas não pode! E sabe que não pode. Mas se se solta, esperneia, luta, chora, até se convencer que de facto quem foi não quer voltar.
Mas não me fales em cancelas abertas...
MAs eu nunca disse que quem sai, sai incolume e sem dor. Disse apenas que a cancela está aberta...
Disse apenas que, e repara que são pontos de vista pessoais, não deves por cabresto e fechar cancelas e forçar a pessoa a ficar, deves abrir a cancela e deixa-la escolher. Se ela se for se calhae era porque não queria mesmo ficar. E quem é que quer alguem que está ali porque não pode sair? Eu só quero as pessoas ao meu lado se elas estão por vontade propria e não porque eu quero que elas estejam. POntos de vista pessoais linda, cada um ama de maneira diferente
Joaninha
O que eu estava a rebater é o uso romântico da cancela, da liberdade de ir embora. Essa liberdade é relativa, porque as pessoas estão amarradas de qualquer modo. Mas não é um amarrar mau: é só querer essa pessoa e o que ela tem para nos dar. Querer alguém não é o mesmo que forçar essa pessoa a fazer seja o que for!
Desde que não se feche fisicamente a porta e se ponha fisicamente grilhetas (mas isso até é uma ilegalidade), a pessoa é livre de ir embora. Quer o outro saiba quer não. É bom ter-se a noção disso. Daí a imagem da fita: não prende, mas diz "eu não quero que te vás, mas sei que podes se quiseres porque não te posso prender".
No fundo estamos a falar da mesma coisa, mas eu exprimo-a de modo diferente: qualquer pessoa pode ir embora quando quer, mas eu digo logo "eu não quero que vás". Se eu dissesse "não me importo que vás" diria isso sentido. Na realidade isso seria mandar a pessoa embora.
Possivelmente há uma diferença de pontos de vista que se resume a como se sente a liberdade: eu tomo-a por adquirida! Sei que qualquer pessoa é livre de sair de uma relação, quer o outro envolvido queira quer não. Quer esteja casado, junto ou cada qual a viver na casa dos pais. Por isso não sinto necessidade de exprimir isso. Por isso talvez me faça alguma confusão achar lírica esta liberdade: porque é o de mais concreto que há. Outra coisa não é natural.
Estou com dificuldade em exprimir a minha posição: eu mesma olhei para trás e estou confusa com o que escrevi e não sei se exprime bem o que penso, que é na realidade muito mais simples (embora assim de repente possa parecer complicada). Vou antecipar o post que tinha sobre os divórcios sem culpa para ver se torno a minha posição mais clara.
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