quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Tédio

Houve um tempo em que tudo me inspirava. As minhas fontes de inspiração era tudo ou mesmo o nada.

Agora já não. Agora tudo parece ter-se banalizado. Até mesmo o nada, fonte de tanta escrita, se transformou numa simples ausência. Já nem me pergunto de quê, de quem, de que forma o ausente se ausenta deixando nos espaços onde habita apenas vácuo.
Procuro-te.
Tu, coisa, objecto, ser, simples momento. Tu que me farás encostar de novo a caneta ao papel, entusiasmada.
Toda esta banalidade pesa nos ossos.
Grilhões de tédio prendem-me os pés com correntes de “casas dos segredos” e “escândalos políticos, greves, crises, troikas”.
Coisas mundanas, chatas, aborrecidas.
E eu arrasto, arrasto, sem levantar os olhos alto, pois que me envolve o ócio intelectual, numa capa sinistra de obrigação mental, disciplina férrea de pensamentos ordenados, explicativos dos meandros da burocracia, da legalidade, sordidamente misturados com contagem de tostões ao fim do mês, contas a pagar, comida para comer. Guardando horas parcas para um pouco de sono, um pouco de olhos fechados, cérebro desligado, corpo prostrado.
Um, dois, três começa de novo, trânsito infernal, barulhos, sons, urros. E uma avalanche das mesmas banalidades, aborrecidas, digo outra vez, aborrecidas!
Com os neurónios envolvidos por esta gosma, incapaz de um arranque livre, solto. Com o pensamento, formatado, engaiolado, a perder sinapses, aos milhares de milhão por segundo.
Aconchega-me a alma, a certeza da altura em que, em rompantes garbosos, achava escrever manuscritos, contos, poemas.
Maus, bons, razoáveis ou mesmo muito pouco, pelo menos eram meus, manifestações espontâneas da minha existência interior insana, entusiasmante, excêntrica.
Agora as articulações estão calcinadas, o olhar está maculado, não há rompantes, nem ideias brilhantes, nem momentos de puro êxtase literário.
Há sim, papel com 25 linhas contados, trancado em cada parágrafo, sem espaços em brancos, rubricado e assinado, com assinatura reconhecida, documento autenticado.
Mas eu procuro-te.
A ti, coisa, ser, momento, porque eu preciso de, sob pena de uma morte intelectual precoce, sentir que ainda consigo um pouco de loucura, ainda consigo um pouco de liberdade, ainda consigo voos extremos de adrenalina salpicados pela simples visão de um qualquer por do sol bem esgalhado. 

2 comentários:

Krippmeister disse...

Há alturas assim, mas não são irreversíveis. Aliás, só tu conseguirias lamentar-te da perda de fervor literárioo num ensaio de alto fervor literário. ;)

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.