A estrada para o inferno está fechada, impedida e gelada sob um enorme manto branco, parada.
Há silêncio. Ao longe ainda se ouve o lamento do diabo, não sei se em velado pranto ou em risinho engasgado, seja o que for que faz, é com enorme respeito pois o som mal se ouve, entranhando-se assim uma sensação de paz no aparente vazio.
Coloco o pé na porta do caminho e de imediato me cobre o nada e me sinto sozinho, ouço a voz ao Diabo, chamando-me:
- Anda cá meu rapazinho.
Não tenho medo de chifrudos, afinfo o outro pé na estrada e faço todo meu o caminho. Num repente de um raio me apercebo que o silêncio respeitoso do Diabo não é de graça, e que algo estranho se mexe ao fundo na praça.
Não se ouve um único som, até o diabo finalmente se calou.
Olho para ela, gela-me o seu sorriso, pergunto-lhe onde estou, e ela sussurra-me...
- Perdido...Olhando por detrás dos olhos de vidro.
- Quem és tu alma penada – Pergunto eu. Pois que se chifrudos não me atemorizam já o mesmo não digo de olhos azuis vazios, abandonados de alma.
Ela faz prolongado silêncio, como se ela própria pensasse quem era naquele momento,. Repentinamente abre a boca, até lhe sinto o bafo gelado, e fazendo rodar a língua vejo eu sair pelos meus lábios.
- Sou eu...
Novamente ouço sussurrar o mafarrico, escondido estrategicamente atrás da estátua que enfeita solenemente o centro da praça.
Arrepia-se-me a nuca! A criatura falou pela minha boca...
Deve ser tal o meu ar de espanto que ela me abre um sorriso gelado e branco, fica-me fitando, com ar de antecipação, esperando com divertimento uma qualquer reacção.
Quanto mais ela olha mais cresce em mim um pensamento desconcertante, se ela fala pela minha boca, então pensa pelo meu pensamento e pode saber o que penso a qualquer momento.
- Quem és tu - insisto aterrorizado!
- Sou o teu medo – responde-me de través – sou aquilo que temes - diz-me estendendo-me a mão - aquilo que na realidade és.
14 comentários:
Espectáculo. Consigo visualizar todo o ambiente. Adorei.
Muito muito bom, não dá para parar de ler, digno de um filme de Tim Burton
Clap, clap, clap. Muito bom o medo feito duplo feminino. Parabéns.
Fiquei derreado! Lembrou-me um pouco Mia Couto, mas mais à Joaninha...
Muito bem conseguido, gostei muito da primeira frase (que me fez lembrar o Mia).
Muito bom!
É um prazer ler o que escreves...
el matador a ideia é fazer uma serie intitulada 4 maneiras de ver o medo...
Faltam duas como podes ver.
Era giro que fosse todas de pessoas diferentes, mas isso não se arranja facilmente. Já tramei uma pessoa para fazer uma ilustração, falta-me um poeta, ou poetisa...Não te queres oferecer não?
Joaninha, muito me honra o teu convite mas infelizmente sou um desastre como poeta e pior ainda como poetisa. Por isso vou ter que declinar o teu convite, peço desculpa mas é para o bem do teu blog e da sua impecabilidade.
Abraço
Ai agora eu sou "uma pessoa"? Vê lá se queres que ilustre o texto, ou preferes que faça "um boneco"?
Ass: Um Careca
muito bom mesmo. De mestre. Uma lição de escrita, vou prestar muita atenção à maneira como conseguiste isto, a ver se aprendo alguma coisa...
A ideia que me dá é que a cabeça da Joaninha é um turbilhão de literatura fabulosa que ela vai deixando escapar para o papel da forma mais controlada que consegue :)
Esmagador!
(acho que dizer mais é desnecessário).
Brutal!
E tem UM BONECO a condizer e tudo!
És das melhores autoras que já li. É que ao longo do texto eu vou-me sentindo mesmo na pele da personagem. Estive em stress do início ao fim! Parabéns!
óh saltinho, obrigada...Fiquei sem palavras...
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