Lareiras acesas, de chamas quentes cor de laranja, saltando fagulhas para o soalho de carvalho chamuscado. Pisa brasa. Caruma no cabelo, nas carpetes e farpas de lenha na camisola, cheiro a fumo, carvão preto no nariz.
Rebolar, rebolar nuns estranhos confortos, de tapetes com pó e cozinha de pedra. Fogão a lenha carbonizado e partido pelos milénios de abusos natalícios, de avental ou sem ele, juntando à madeira nódoas de ovo, de farinha, de massas e cheiro a fritos, soltando sonhos, leite creme, arroz doce, bolo rei...Bacalhau nadando bruços no azeite, embrulhado em couve, com batatinha...Meninas pequeninas saltitantes, pulando no chão velho e oscilante, meninos correndo abanando fundações. O tilintar dos copos na cristaleira, os cães dormindo encostados às lareiras.
Cozido, cozido no fogo da sala grande, panelas de peso, de gigante, panelas de prata com o fundo preto, limpo a palha de aço, com carnes borbulhando, enchidos largando cheiro, largando sabor, colorindo a água de sangue. Os gritos da mãe, um pouco agudos, acompanhados ao fundo pelos uivos do vento que se entranha pelas frestas e arestas de uma casa grande e velha.
Maridos com largos sorrisos, olhares de irmã mais velha no meio dos gritos e de risadas nada histéricas.
E no meio, eu, que não gosto de barulho, não gosto de cheiro a fritos, não gosto do cabelo sujo e de roupa velha...Eu que no fundo não gosto de nada disto...Não gosto de cozinhar, sou meia alérgica ao pó, e detesto de morte o frio...Sinto-me tão em casa, sinto-me toda eu, eu mesma. Sinto que amo tudo aquilo, e que tudo aquilo sou eu. E assim é. Nunca entendi este estranho fenómeno do natal. Mas deixa-me, quando tudo se aquieta e as brasas estoiram na lareira num final de festa divino, a pensar seriamente.
- Será que não gosto mesmo de barulho, ou só simplesmente um pouco pateta?
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
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