quarta-feira, 30 de junho de 2010

Amizade.

Sentada na esplanada esperava, avaliando criteriosamente as formas que as nuvens iam desenhando no fundo azul gelo que era o dia de invernia que fazia pouco despertara.
As árvores, chamadas arvores do diabo, culpa dos espinhos ferozes, na sua frente, com o seu tronco barrigudo, não tinham folhas, e a erva verde cintilava com gotas de orvalho quase geladas mas ainda em estado liquido.
Fazia pequenos nós nas franjas do cachecol , tique que muito a irritava mas que não conseguia evitar. Havia tanta coisa que não conseguia evitar...
O telefonema tirara-a da cama mais cedo do que o costume para aquela altura, tinha como habito dormir até ao mais tarde possível quando estava de férias. Frio colava-se-lhe à cara, irritando a pele, fazendo surgir pequenas zonas vermelhas e abrindo pequenas fissuras nos lábios secos, apesar da insistente aplicação de Labello azul, só porque cheira bem.
Apesar de protegida pelos prédios em L o vento cortava a esplanada, gelando-a ainda mais.
O jardim estava sereno aquela hora, em pleno feriado de natal, embrulhado no frio limpo que levava para longe o cheio da humidade jorrada em chuva nos dias anteriores.
Tirou os olhos do céu apenas tempo suficiente para pedir um chá bem quente. Ele estava um pouco demorado, ao que parece havia transito.
Não era problema nenhum, ela estava bastante acostumada a esperar por ele, habito que lhe não agradava, bem se vê, mas que se diluía naquele homem doce, grande e desajeitado, acabando de certa forma por lhe dar graça. Sorria, apenas com o cantos dos lábios, muito levemente, ele era realmente engraçado.
Pastoso, lento como só ele sabia ser, assomou por baixo da latada, vinha de cabeça baixa, mãos enterradas nos bolsos fundos do sobretudo azul, quase negro, arrastava o peso de um mundo inteiro às costas.
O coração dela deu um salto, ele era frágil, tão frágil...
Preparou-se na cadeira, deu mais um nó nas franjas do cachecol no tique maldito que não a deixava e, antecipando-lhe a chegada, levantou-se.
Ele ainda de cara no chão, limitou-se a beija-la com profunda tristeza e de seguida deixou cair o corpo quase inerte na cadeira da esplanada.
-Está frio – Reclamou baixinho num tom de grunhido.
-Faz-te bem – Ela respondeu com carinho.
Bufou, naquele bufar masculino de quem não se permite sequer a ideia de chorar. Ela não entendia isso...Havia tanta coisa que ela não entendia nele, melhor dizendo na generalidade do género masculino.
Também não estava ali para analisar, não estava ali para entender nada. Estava só para ouvir.
Ele foi falando, com um tom de voz profundo e engasgado e falava daquilo que lhe consumia ferozmente o sentido de humor tão característico. Aquilo era verdadeira dor.
Foi-o ouvindo, dando-lhe todo o espaço do mundo.
A cara dele foi-se erguendo devagarinho, e à medida que se erguia ela ia sorrindo.
O peso foi caindo, bocado a bocado, como se de terra colada aos sapatos se tratasse, quando mais sacudia mais leve se sentia. A voz foi-se tornando mais firme a cada palavra.
Ela deu para contar piadas e trocadilhos, e no fim ele já ria às gargalhadas.
Ficaram depois um pouco em silêncio. Ela de novo observava a transmutação das nuvens contra o céu de gelo. Ele observava tudo sem no fundo querer ver nada.
Pediu a conta com um gesto já mais solto.
Ela deu um pequeno suspiro, quisera fazer mais...
Levantaram-se os dois.
Ele levou-lhe a mão aos lábios e beijou-a com muito jeitinho, num enorme respeito.
-Obrigada minha amiga, desculpa tirar-te assim da cama pela manhã.
Ela tocou-lhe ao de leve o rosto, e pregando-lhe um beijo bruto na bochecha fria, atirou-lhe -Tu fazias o mesmo por mim, a amizade não sofre de falta de sono ou de frio.

(estou em exames, desculpem lá a falta de posts e a falta de visitas)